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22 de dez. de 2012


ÂNGELA LOIJ
Na década de 70, na National Geographic, uma foto de um Índio da tribo dos Yaghans, me impressionou muito pelas rugas que cobriam sua face. A matéria falava que os Yaghans eram índios canoeiros, que viviam nas proximidades do Canal de Magalhães, no sul da Patagônia.
Não sei porque, mas a imagem daquele rosto não saiu da minha cabeça até eu pisar naquelas terras do fim do mundo.
Era começo de outono e já fazia muito frio depois de Trelew. De caronas picadas no deserto,  logo percebi de onde vinham as rugas daquele homem – ventos gelados e constantes, de setenta, cem quilômetros por hora, que só não eram  insuportáveis porque a vontade de chegar era maior.
Chegar aonde? Sem nenhum porquê, era um ir até onde houvesse terra para pisar.
Puerto Desejado, Três Montes… depois Paraíso, pequeníssima vila, com uma dúzia de pessoas e o único posto de combustível em quilômetros de solidão, que no ano anterior registrara trinta e sete graus negativos. Último lugar  habitado antes do Estreito de Magalhães —  o encontro das águas em desnível dos oceanos Atlântico e Pacífico, que separa o continente da Terra do Fogo  (nome dado pelo velejador Fernando de Magalhães ao ver índios Selk´nam cobertos de gelo ao redor de fogueiras), só era possível travessia pelo lado chileno.
Chancelaria de Puerto Aymont, policiais quase adolescentes do recém governo  do Gal. Pinochet me deram duas horas de permanência provisória. E num estranho barco de laterais altas de aço, cruzei as águas agitadas.
Uma carona numa caminhonete da YPF  até a cidade de Rio Grande. Mais dois dias cheguei ao porto de Ushuaya. Na outra semana, Canal de Beagle, e Nasvarino. Foi até aonde deu, daí pra frente o Oceano Glacial Ártico e o Pólo Sul.
Na volta fiquei uns dez dias em Ushuaia, e fui acompanhado por um cão foguino o tempo todo. Se esqueci tudo de química inorgânica, a maioria das fórmulas de matemática; se apaguei professores, talvez porque nada disso tenha sido importante, mas este cão ficou. Como esquecer sua imagem na pista do aeroporto quando tomei um aviãozinho do Correio Aéreo Argentino até Rio Gallegos?
A volta foi bem mais complicada, fazia mais frio, parecia como nos mapas da América, que tudo era subida. E aquela foto da National Geographic mexera mesmo comigo, porque não foi a última vez que estive nas terras do fim do mundo, cujos encantos são só paisagens desoladoras desse que é o maior e menos habitado deserto do planeta.
Mas dessa primeira vez trouxe comigo mais que isso —  trouxe a conversa e fotografias de Angela Loij, a índia altíssima de olhos azuis claros e cabelos grisalhos, também muitíssimo enrugada, última descendente da raça Selk´nam.
Já no fim dos anos 70 li no jornal que ela falecera ao lado do seu cão na cidade de Rio Grande, extinguindo sua raça.
Não é pouco lembrar dela falando altivamente do seu povo, dos seus pais, filhos, netos e irmãos, sabendo que não havia mais ninguém além dela e da memória de maldades inconcebíveis.



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