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2 de dez. de 2012

O DIA NÃO CHEGA NUNCA

Chove, tateio o chão, pés molhados, roupa encharcada,
suor, lama… Tudo é água, limpa, suja.
Agora sim – como em STALKER  - o mundo fora do mundo.
Desafio a natureza – a minha.
Tusso, escarro, ainda não dói muito, o cigarro molhado apaga, 
acendo outro, é pouco, é sempre pouco.
Nenhuma estrela no céu, a chuva não pára 
nem vejo os pingos no breu, só essa faca gelada, 
a lâmina fluída que escorre pela gola e desce pelas costas.
Calafrios, mas o bacilo de Coque não vem, nunca veio, não pode vir.
Ainda assim sigo desafiando tudo até os limites, enquanto a noite durar 
e meu pulmão resistir.
Que faz esse ancinho aqui? A palma da mão esquerda sangra, que importa? 
Também não vejo o sangue, nem essa dor quente incomoda tanto.
Tiro os sapatos, a roupa, a água escorre livre pelo corpo, não parece tão fria.
Que horas serão? Sanidade é a febre, delírio, morfina, se meu corpo pudesse… 
Maldita dor que veio do nada, abraço que não abraça nem desenlaça.
Grito alto no escuro, preciso. O eco das montanhas me devolve tudo, 
nem meus gritos vão!
Acabaram os cigarros, volto pra casa, visto uma roupa seca, pego o carro, 
paro num posto mal iluminado.
Sob a marquise uma criança encorujada com uma cartilha na mão...
– Que faz aqui a esta hora?
– Vim buscar minha mãe, todo dia eu venho, faz um mês que ela não aparece.
Olho pra minha mão cortada… Por que as pessoas desaparecem?
Fora do pavor, aonde está deus? E você?
A chuva pára, mas o dia não chega nunca.
Não posso dar a mim nem a ninguém o prazer de morrer são.

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