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25 de out. de 2013

AQUI E NAS ESTRELAS



Segundo semestre de 2013, em protesto aos aumentos de passagens de ônibus em São Paulo, eclodiu um  movimento espontâneo nas ruas do Brasil, que ninguém esperava, dado a genealogia pacífica tão conhecida da população. 


De salto-alto os ministros e a presidente passam uns dias atônitos até se reunirem no gabinete presidencial. Pega de surpresa, de pronto, em resposta às manifestações, a presidente toda produzida vai à televisão e faz um discurso prometendo um Plebiscito sobre a Reforma Política. 


--- O povo quer o Plebiscito! – a Presidente fala aos líderes do partido que eles têm que dar um jeito!


--- Mas Ilma. Presidente, o pessoal do Tribunal Eleitoral disse que, pra valer nas próximas eleições, não vai dar. – diz a Ministra das Relações Sociais.


--- Encurtem o tempo! Nós temos a maioria no Congresso, façam com que pressionem o Tribunal.


--- A coisa se complicou, Ilma., os partidos que compõem a base governista não estão alinhados com essa posição. Já até formaram um grupo específico para estudar a Reforma Política. –  fala o Ministro da Pesca.


--- Você, cala a boca! É o primeiro que vou cortar.


--- Mas Sra. Presidente, por que eu? Ouvi dizer que era a Ideli...


--- Escutem bem, se não fizerem o Plebiscito vou cortar a cabeça de todos vocês! Não prometi ao povo? Com que cara fico se não sai o plebiscito?Vocês só fazem burradas, chamem aqui o Renan e o Eduardo Alves (Presidentes do Senado e da Câmara). – fala a Presidente.


Enquanto aguardam a presença deles, a Presidente da República vai ao banheiro e os outros Ministros e assessores tomam, em pé, um cafezinho, que é servido sem protocolo. Furiosa, a Presidente volta à sala, e já entra falando aos berros:


--- Que merda é essa, Renan e Eduardo, cês tão querendo me ferrar, ninguém aqui tem que ser notícia. Tinham que usar avião da FAB, nessa hora, pra ir a casamento... ver jogo de futebol? Ei, pera aí, quem tá fumando lá atrás? Caralho, eles filmam isso e é mais notícia, apaga essa merda! Tô tendo pesadelos com o tal "gigante" que acordou e vocês não ligam a mínima... eu quero Plebiscito já, entenderam?


Faz-se um silêncio...  até o que Ministro das Relações Exteriores intervém:


--- Ilma. Presidente, temos que tomar uma posição clara sobre a espionagem do Obama!


--- Ô imbecil, está prestando atenção na pauta? Estamos falando do Plebiscito sobre a Reforma Política, você viu algum cartaz na rua pedindo pra tomar medidas sobre espionagem da CIA? Não, não viu, né. Não viu porque ninguém tá ligando pra isso, o tal gigante acordado quer a Reforma Política, fala em saúde, educação, fala em impunidade, justiça, movimentação urbana... Aliás cadê o Ministro da Saúde, não tô vendo ele...


--- Tô aqui, Ilma. Presidente!


--- Ótimo, me diz qual é o problema dessa porra da classe média, quero dizer classe médica, que tá fazendo a cabeça da mídia também, contra eu trazer os médicos cubanos?


--- Basicamente o que dizem é que não faltam médicos aqui, que o que falta é...


--- Pode fechar o bico que já sei o que vai dizer, mas eu já contratei eles e vamos espalhá-los pelo agreste, pelos mangues e subúrbios, que ninguém importante vai vê-los tão cedo, e logo não serão mais notícias.


Subitamente entra na sala um funcionário do Palácio dizendo que tem alguém importante querendo falar com a Presidente da República do Brasil.


--- Não é nenhum jornalista, não? – pergunta a Presidente.


--- Não Ilma. – diz o funcionário.


--- Eu não dei uma ordem pra não ser interrompida até o fim da reunião?


--- Sim, deu. – fala o funcionário.


--- Sabe da importância do que estamos tratando? – pergunta a Presidente ao funcionário cabisbaixo.


--- Sim, sei, Ilma.


--- Então por que nos interrompeu? Afinal, quem é esse indivíduo importante, o Lula? – pergunta a Presidente.


--- Não senhora. Não sei dizer quem é, não, Ilma. Não sei, ele passou pela guarda externa e interna do Palácio e ninguém o barrou, também não está armado e só me pediu isso, que queria falar com a Ilma. Presidente. Está na ante-sala esperando.


--- Saia daqui imediatamente e mande prendê-lo já.


--- Não posso fazer isso.


--- Não pode por que?


--- Não sei, mas não posso.


--- A Segurança está na ante-sala? – pergunta a presidente.


--- Sim, Ilma.


--- Ideli, vai com o Renan ver quem é esse indivíduo, e mande retirá-lo já!


Eles vão, mas não voltam. A Presidente começa a ficar aflita, pede licença aos Ministros e vai ao telefone falar com o Serviço de Inteligência do Palácio...


--- Quem tá falando aqui é a Dilma!.... Como não entrou ninguém no prédio se tem um sujeito aqui na ante-sala querendo falar comigo... O quê? Estão monitorando tudo e na ante-sala só estão o Renan, a Ideli, e os guardas da Segurança?


A Presidente abaixa o tom de voz, e fala quase sussurrando para eles subirem e encontrarem o funcionário maluco, que a interrompeu com essa história sem pé nem cabeça.


--- Como? Quer repetir o que disse! Tá dizendo que a porta da minha sala só foi aberta quando saiu o Renan e a Ideli, que ninguém entrou aqui. Todo mundo aqui presenciou isso, tá me chamando de louca?


Enquanto a Presidente falava ao telefone, os Ministros e assessores se separaram em rodinhas, e só se ouvia o zuz-zum-zum das conversas, quando ela bateu o telefone e berrou:


--- Cadê ele?


--- Quem? – disse o Ministro dos Transportes.


--- Ele, o funcionário que nos interrompeu?


Uns não viram, outros não tinham certeza se viram, mas lá ele não estava, e a Presidente encerrou a reunião alegando dor de cabeça.


Como sempre acontece, depois do ambiente ruidoso, o silêncio machuca. Todos saíram, menos ela, que ficou sentada, cotovelos na mesa, mãos sobre o rosto até a porta bater. 


--- Como é difícil falar com você, filha de deus!.


Dilma ergueu a cabeça. Diante de si, em pé, um velho alto e mal vestido, com um chapéu de feltro cinza meio caído, que cobria parte do rosto...


--- Quanto eu tentei, só deus sabe o quanto tentei... Você era tão corajosa, rezei tanto pela sua vida quando se meteu em encrencas... – disse o velho.


--- Quem é o senhor? – perguntou ela.


--- E quando entrou na política sabia que ia ser Presidente, sabia que ia lutar com uma doença grave e enfrentar muitos desafios, e quis muito que me ouvisse, mas você nunca gostou de ouvir ninguém, seu jeito... Queria ter lhe dito que... 


Nisso, abre-se a porta e entra na sala o chefe do gabinete...


--- Presidente..? Presidente..?


Ela permanecia sentada, olhando as bactérias do ar. Na sala não havia mais ninguém além da imagem desbotada do velho búlgaro na sua memória, que pareceu ser seu pai.



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