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23 de nov. de 2013

RATOS

-- Ração pra cachorro ou pra rato? - perguntou o japa, dono da casa de rações.
-- Quis dizer gato, não? - retruquei, pensando não ter ouvido direito.

Ao que o simpático nissei começou um discurso sobre economia nacional, me perguntando se eu sabia quantas toneladas de grãos os roedores furtam dos silos. Em seguida, falando mais modestamente da sua loja, me perguntou se eu tinha ideia de quanto ele perdia por alimentar os ratos. Fiquei calado.

-- Rato é uma espécie de imposto - continuou ele. -- E não é dedutível do I.R., nem dá pra encaixar num Caixa-Dois... Toda noite penso em uma maneira de tirar o jantar deles, mas não tem jeito, sobem na vertical, rasgam os sacos como se tivessem tesouras, e não tenho outro jeito se não repassar esse custo - completou.

E antes que continuasse o discurso, atrasado que estava, pra encurtar a conversa sem ser grosso, falei:
-- Então me dá um saco de 25 kg daquela ração que tem os verdinhos, é pra cachorro e pra rato, ok....

Parece que ele gostou. Sorriu como se me dissesse que eu aprendera rápido, e mandou seu escravo pôr no meu carro.

Saí dali nem um pouco mais sábio com a erudição sobre os efeitos dos ratos na economia, mas aquilo me fez pensar se meus cães estavam mesmo comendo sozinhos ou se dividiam com os gatunos (no caso 'ratunos'), porque nunca os vejo comendo, e o latão de aço onde guardo a ração se esvai a olhos visto.

Logo lembrei do embrulhão do meu eletricista que me disse pra tomar cuidado com os roedores da minha garagem, quando depois de uma semana na oficina, e vários testes e troca de peças no carro que só pegava chacoalhando, veio o veredito - "um fio roído por rato causava o defeito, mau contato no motor de arranque!" E pra dar um toque teatral ele ainda colocou um osso de galinha sob o capô, me mostrando a prova.

Fiquei quieto, paguei, mas achei a encenação ridícula. Em casa nunca teve osso de galinha, nem o carro fica na garagem - incompetente com seu 'computador de defeitos' burrinho, inventou tudo, e não pensei mais no assunto, que só agora me voltou à cabeça.

Pelo sim, pelo não, passei a olhar os cães comendo nas suas cumbucas. Vi pássaros dando rasantes sem pousar, porque certamente minha presença os impedia de dar uma paradinha. Afastei-me, e à distância notei que carregavam uns grãozinhos caídos no chão, mas rato mesmo não tinha.

Num outro dia prendi todos cães no meu escritório e fiquei de longe olhando - nada além dos pássaros.
Fiz isso por vários dias, às vezes à noite, e rato nem sombra. No entanto, o latão que guardo a ração se esvaziava como torneira aberta, e isso começou a me tirar o sono. Mesmo com as cumbucas vazias, levantei várias vezes de madrugada, e andando como índio fui até a garagem, dedo silencioso no interruptor - nada, sempre nada, mas alguma coisa tinha.

E tinha. Demorei pra descobrir que a neta da minha empregada, que adorava os cães, também gostava dos ratos. Às vezes eu a via com um pratinho azul sob o braço, mas nunca perguntara o porquê. Ali ao lado da garagem, num cantinho cheio de plantas, ela servia ração a não sei quantos, e eles a conheciam pelo som do seu andar ou pelo cheiro, era instantâneo.

Sem aquele horror que aprendemos a ter, a menina rural gostava dos roedores como dos cães ou dos pássaros. Devia dar uma bronca? Ensinar que não se deve alimentar ratos? Tentar explicar que rato é um imposto, como disse o nissei?

Pensei por um instante, mas não fiz nada, não falei nada, não era justo. Com meu trabalho, a contragosto, já alimento ratos com gravatas há anos, por que não aqueles humildes do brejo?


Depois... rato, esquilo, gambá, bugio, pato, cão... cada dia têm mais dificuldades em encontrar comida na natureza depenada, e isso é muito complicado pra mim, que depois de ver lutadores no vale-tudo se arrebentando diante de milhões; grãos que não germinam, no meu prato; e jornalista escrevendo que Londrina é no Pará, não sei mais o que é certo ou errado.

2 comentários:

  1. Óóóóóóóóótemo!!! (sim, "ótimo" à moda Londrina-PA...rs)

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  2. Louvado seja Mickey Mouse, para sempre seja louvado...
    A vinte e tantos anos convivemos com ratos aqui em nosso reinado, dentro de nossas províncias eles não gozam de proteção especial, apenas os desconsideramos e isso já em é em si uma forma de proteção... mas eis que uns resolveram entrar no motor de nosso carro novo e como todo proprietário de carro novo nos sentimos ofendidissimos, por que não vão à puta que os pariu ao in vés de virem ao meu carro cheirando a novo empreguina-lo de odores odiosos???? Mas, não que mais que mas, me surge em casa, trazida pela Regina, uma gaiola para pegar ratos... com ar de vitoria ela ouviu de cara e na lata: - Muito bem, que sejam capturados, mas quem dentre vós irá mata-los, por isto ( ver dedinho apontando para a gaiola ) não é uma ratoeira, e eu ao olhar nos olhos dos ratinhos não tenho coragem de mata-los, mais a mais, sou budista e budista pode cometer tudo quanto ´r tipo de filha-da-puticie menos matar, e tenho dito, rato non mato! ,,,
    Mas eis que um belo dia no quintal, na mureta de 3 fiadas surge um lindo ratinho que precedido fora por um Bem-te-vi que na panela de comida dos cães bicava alegremente a borda da panela onde não há ração, ou seja, a porra do Bem-te-vi nem fode nem sai de cima... mas neste ínterim, alinhado perfeitamente ao primeiro surge o segundo ratinho e ambos olham a comida e o chato do Bem-te-vi... a Regina e a Bibi viram lágrimas rolando nos olhos de ambos os ratos, e foram às lágrimas também.... como podem criaturinhas tão lindas sofrerem tanto neste mundo de meu Dels.????? Piora a situação, um terceiro carpideiro junta-se, só podem ser ou engenheiros ou do exercito norte coreano tal a perfeição do alinhamento, nunca vimos na história deste país, diria o nove dedos, um alinhamento tão perfeito... não ouve lenço para enxugar tantas lágrimas... foda-se a ração, foda-se o motor do carro, foda-se o imposto compulsório como todo imposto o é, foda-se tudo so não me fodam pelo amor de Dels nem os ratos nem Walt Disney que sabia do que estava falando... e fodam-se também os japonêses que na cara de pau ainda dizem que repassam aos nossos bolsos o prejuízo em que não incorrem.

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