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11 de jan. de 2014

Palhaço?

Estava superatrasado, acabara de engolir um almoço sem graça, quando meu cão aparece na porta da cozinha com uma chave entre os dentes.

--- Vem aqui, Tom, deixa eu ver isso!

Ele faz umas firulas, joga pra cima, pega de novo. Me aproximo... ele se afasta.

--- Para com isso, Tom, vem aqui... vamos trocar por uma bolacha!

Com a bolacha na mão ele fica na dúvida, se aproxima, quer a bolacha, mas a chave ele não solta. Por fim, depois de uns segundos, decide pela farinácea e deixa a chave cair. É a chave do meu carro, me abaixo pra pegá-la, ele é mais rápido e a abocanha de um só golpe, ainda com parte da bolacha na boca.

--- Olha aqui, Tom, vamos parar...tô atrasado e isso não tem graça nenhuma!

Curvo os joelhos e o chamo carinhosamente... Ele vira de bunda e me olha de soslaio da soleira da porta da cozinha. Ameaço correr, ele sai da cozinha numa arrancada de atleta, mas pára a uns três metros.

--- Puta que pariu, Tom, você vai levar uma surra! - grito, bravo, já sem paciência, quando toca o telefone.

--- Alô? Quem? Ah... sim, pois não. (É a moça da Vivo que pergunta se o Speedy ficou bom).

---  Não sei, não, moça. Fiquei a manhã toda sem conexão, mas agora não posso ver isso, estou atrasado e tenho que sair.

--- Como? Tô dizendo que não dá pra ligar o computador agora, que estou em cima da hora para um compromisso e o Tom está me olhando com a chave do carro na boca.

--- Por que deixo meu filho pôr a chave na boca? Se eu sei que chave tem bactéria? Não, minha Senhora, o Tom não é meu filho, não tenho filhos, e vai ser um inferno chegar atrasado, meu cliente não tolera isso.
 Eu sei, eu sei, moça, que é o seu trabalho, que precisa saber se está funcionando,  mas agora não dá mesmo, então escreve aí que eu não pude ver isso, porque meu cão roubou a chave do carro e está me olhando agora com aquela cara de idiota, só esperando eu desligar o telefone pra correr atrás dele!


--- Já disse que não é meu filho, moça! É um cão, um filho da puta que peguei na rua outro dia, quase morrendo, e que agora toma conta de tudo...

--- Não, minha Senhora, não a estou ofendendo, estou atrasado..! E ele não é um cão bravo, é um bem pequeno, parece o Garrincha, pernas tortas, dribla, só quatro dedos em cada pata, e é da pá virada... Um segundo, minha Sra.!

Largo o telefone e aproveito que ele está perto do fogão, distraído. Corro e fecho a porta da cozinha.

--- Agora dá aqui essa chave, Tom!

Ele circula ao redor da mesa me fazendo de palhaço. Cerco ele com as cadeiras, mas o monstrinho vai pra sala. Depois de uns minutos de correria, ele entra no lavabo.

--- Agora se fodeu, né Tom?

Fecho a porta, lavabo minúsculo..  ele larga a chave no chão e me olha com aquela cara de coitadinho. Devia dar uma surra no safado, mas lembrei do telefone...

--- Alô, me desculpe, Senhora... Não, não fui ver se o Speedy está funcionando...  O que fiz nesse tempão? Minha chave, a chave do carro... consegui pegá-la, lavabo é uma armadilha!  O quê? Não, claro que não, não estou pensando que a Senhora é palhaça.

Desligou na minha cara! Se tem algo que detesto é isso, só deus sabe quanto. Pus no gancho, abri a porta da cozinha pro Tom sair... outra vez toca a merda do telefone...

--- Olha aqui, minha Senhora, sou educado, mas não suporto que desliguem o telefone na minha cara, então, mesmo não conhecendo sua mãe, vai a puta que o pariu! Entendeu? Ahn...?! Quem? Sim, sou eu mesmo! Sei que marquei com o Senhor, me desculpe, já estou saindo... Se eu sei que horas são? Sim, é que me enrolei um pouco, primeiro o Tom roubou a chave do carro, depois foi a moça do Speedy...  O quê? Não, absolutamente... Claro que não penso que o Senhor é um palhaço, é que...

Não era mesmo meu dia, outro telefonema desligado na minha cara, duas vezes em dez minutos!

Respirei fundo, o  sol invadia a cozinha, dia lindo... o Tom na janela pelo lado de fora, com os lábios erguidos, jeito de sorrir, me convidando pra passear...

Dia aziago desde que acordei...

--- Pera aí, Tom! Só me dá um minutinho pra pegar o alicate e cortar o fio do telefone antes que me arrependa.

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