Ela tinha. Não, não é latinha. Ela transgredia. Nem bem mulher era, quinze anos, palavra ferina, dentes lindos, inteligente, debochada, desafiava os professores, fazia rir. Não tinha pra ninguém.
Numa aula de educação física uma bolada acertou o olho de um marmanjo, que ele não enxergava nada. Ela se ajoelhou e ficou ali alisando sua testa como quem afaga um cãozinho até ele se levantar.
Outra vez, pegou um gato atropelado na frente do colégio e fez o pronto-socorro de gente acudir o animal.
Filha de uma índia e um velejador norueguês, exceto pelos cílios e as pupilas negras, da mãe nada emprestou. Do frio herdou da flor bela e da neve a cor dos cabelos e da pele. O sotaque agradável não era nórdico, nem indígena. Alquimia genética exótica, esdrúxula, loja de brinquedos, fada ou bruxa, quem saberia?
E se era desbocada, sabida era mais ainda e besteira não falava nunca.Quando sorria, bastava isso, quem não queria? Queria o quê? Dava vontade, dava paúra, era o inferno. Olhos grandes que cegavam, boca que mordia sem morder, pernas lindas, súcubo nos pesadelos.
Camélia de quê mesmo? Um monte de consoantes embarcaram com ela e o pai num veleiro pra nunca mais ser vista.Só ficou um ano no colégio e deixou sua marca pro resto da vida em não sei quantos.
A escola que nunca teve graça, continuou sem graç.a.E se a maioria passa invisível, alguns constroem muros e picham seu nome com todas as cores — ela teceu velas da cor da neve e pintou-as com sonhos
Nenhum comentário:
Postar um comentário