Onze e meia da noite, um frio de lascar. Vou começar bem do começo, ainda que o começo seja o que menos importa.
— Está bem, sra., aguardo, sim… Fiquei uns dez minutos na linha, e de tanto em tanto eu perguntava: — A sra. está aí? — Sim. – dizia ela, do lado misterioso, o sistema está lento, aguarde… — A linha vai cair. – eu dizia.
Uns dez minutos de publicidade auto-elogiante até a linha cair. Tentei novamente, outra atendente, a mesma espera, mesma interrupção. Mais uma vez insisti, já passava de duas horas que havia dado o primeiro telefonema, só queria mudar pra um plano mais em conta, já que telefone móvel não funciona mesmo em casa.
Desisti, quero dizer, em parte, porque não sou de desistir de nada, mas Jó também não sou. Desisti de tentar fazer isso por telefone.
Dia seguinte fui à loja da operadora, num shopping center. Peguei a senha e fiquei, volteando o espacinho apertado e cheio de gente, aguardando a chamada. Que veio não tão logo, mas ao menos pude sentar.
— Pois não, é sobre a conta? – perguntou a atendente. — Não, vim alterar meu plano pra um mais barato. – disse. Ela me pediu um documento e o número da minha linha. E olhando a telinha e digitando: — Pra qual plano o senhor quer migrar?
Peguei um catálogo sobre a mesa, folheei e apontei com o dedo. — Sinto, mas não tenho permissão pra fazer essa mudança, o senhor mesmo é que tem pedir isso. – disse ela, apontando para um orelhão grudado na parede, no fundo a loja.
Nessa hora não tive dúvidas: espatifei o celular na sua mesinha. Não voou nada, mas assustada ela me olhou com cara de terror.
— Calma, calma minha sra., não estou nervoso, o aparelho é meu, e só fiz isso para ter certeza de não me arrepender daqui a pouco, porque agora quero cancelar minha conta! Isso pode fazer, não?
— Infelizmente, também não posso – falou meio gaguejando… Não sou eu que não quero, o sistema não permite, tem que ser mesmo no orelhão.
— Ah é… Já tentei ontem e vocês derrubam a linha propositadamente. Não vou mais falar com ninguém. Por que acha que vim até aqui? Pensa que não faço nada? Se pensa, acertou! Mas a sra. não tem nada a ver com isso, e quem vai ligar do orelhão agora é a sra. mesmo! – falei alto pra todos ouvirem.
— Desculpe, senhor, ninguém derruba a linha de propósito, e eu não posso fazer isso, é contra as normas da empresa. – disse ela. Retruquei: — Pode sim, fala com sua gerente, seu chefe, a Dilma, se vira! Daqui não vou sair!
Ela se levantou visivelmente contrariada, mas voltou em um minuto, e me pediu para acompanhá-la até o orelhão. Ficou um tempão confabulando com um alguém do outro lado da linha, ao final me passou o bocal dizendo que eu tinha que confirmar alguns dados.
— O senhor pode me dizer seu nome completo?
Falei meu nome completo, depois o nome da minha mãe completo, depois a data e como era feito o pagamento etc. — Obrigado pela confirmação. – disse a voz, me fazendo o que seria a última pergunta: — Agora, pode me dizer o motivo que quer cancelar a linha.
— Não. – disse. Pensei em muitas coisas, mas foi só o que disse. A linha caiu. A atendente ali do meu lado ouviu tudo, fez cara de paisagem, e começou da “primeira série” novamente.
Dessa vez deu certo, nem precisei confirmar nada e cancelaram minha conta! Saí do shopping pesando dez quilos a menos. Nem falei o nome da operadora porque isso não importa, nenhuma é diferente. O importante é que encerrei a conta do celular e me desliguei dele.
Uma semana depois percebi que não era tão necessário. Um mês depois, idem. Não perdi um braço, foi mais fácil do que poderia imaginar, e logo lembrei do final de um conto do Cortázar: “… Não, não fui eu quem ganhou um relógio de presente no meu aniversário, eu é que fui dado de presente para o aniversário do relógio” – diante da obrigação que ele sentiu em conferir a hora do seu relógio cada vez que via um relógio de rua, nas torres dos campanários etc, etc.
Não sei se quem inventou essa tecnologia toda da informação pensou como quem inventou a bomba atômica, algo que servisse à humanidade e não que a destruísse.
Aquele enlouqueceu, este, mais provável muitos estes, já que até aqui foi um longo processo que não se deve a uma única pessoa. Azar do demo que vai ter que ampliar suas instalações.
Nesse tempo de iPhones, tablets e o esquimbau, crianças que mal articulam palavras já não se separam deles, se podem; se não, é o objeto de desejo da maioria. E se o “hábito faz o monge” o homem é um ser louquinho-de-pedra de fazer isso com seus rebentos, transformando o que a infância tem de melhor – a espontaneidade, criatividade, e sensação de liberdade, que lhes fará falta no futuro por terem trocado pela vidinha chata, programática e sem emoções desse grude eletrônico.
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