— Sabe, Zé, tô cheia dessa vida, tô pensando em a gente se divorciar.
— Cê que sabe, Matilde, se é o quer…
— Pra você tanto faz, né. Pra você, eu e ninguém é a mesma coisa.
— Isso não. Já passamos por muitas, nunca pensei isso… Depois, e a viagem que a gente ia fazer, como fica?
— Viagem? Que viagem?
— Esqueceu que combinamos ir ao Paraguai…
— Tô com fome, Zé!
— Quer um chá?
— Tô dizendo, Zé, cê não me entende, tô com fome, tô nervosa, tô cansada!
— Cê tá deprê, isso passa, tudo passa.
— Sei não, essa viagem num vai sair nunca…
— Cê acha mesmo, Matilde?
— A gente fala disso desde que se conheceu…
— Pra ir lá a gente só tem que comprar umas roupas…
— É, né, Zé, e desde quando a gente não compra umas roupas?
— Por isso, Matilde, que a gente ainda não foi, mas o Paraguai tá lá, nós tamos aqui, uma hora a gente vai, e lá é quente, nem casaco precisa.
— Tô com frio, Zé.
— Com fome e com frio, e pensando em se divorciar… cê tá mesmo fodida, Matilde, tenta se concentrar em uma coisa boa. Lembra quando a gente teve no mar?
— Ah, Zé, sempre cê vem com essa história… nem lembro mais quanto tempo faz que a gente pisou no mar.
— Matilde, presta atenção! Já num falei um par de vezes que a gente não pisa no mar!
— Falou sim, Zé, umas mil vezes. Cê é um chato, e egoísta.
— Egoísta num sou, e o que é certo é certo, Matilde.
— Então me leva num restaurante, que eu tô com fome!
— Olha tua cara no espelho… passa um pente nesse cabelo!
— Sem banho?
— Sem banho.
— Vai me levar mesmo?
— Quanto cê tem aí?
Fazia frio e caía uma chuva fina quando o ônibus chegou. Da janela vi o casal de mendigos, maltrapilho e sujo, se levantando, pondo coisas numa sacola, e desaparecendo quando o ônibus fez a primeira curva.
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