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16 de out. de 2013

ARQUITETURA DA MISÉRIA



Costa Amalfitana, estradinha para Vítrio, encosta apinhada de pequenas casas e pés de limão, uma das paragens mais lindas do mundo.Campo Limpo em São Paulo, estrada de M´Boi Mirim, amontoado de pequenas casas cinza, cor da miséria, uma das paragens mais horríveis do mundo.


Com a sensibilidade que vai além da visão embotada pelo preconceito, e sem o sincretismo simplório que mistura tudo, a arquitetura da miséria tem lá suas semelhanças com a Costa Amalfitana. Como aquela, também não segue as normas fixadas pelos doutos que criam os parâmetros do urbanismo. É anárquica em todos os sentidos, porque também não segue as regras formais da construção. Nasce de umas conversas, uns riscos no chão, e sobe rápido porque é simples - tudo perfeitamente de acordo com um único parâmetro - a necessidade e a falta de grana.


Ao contrário da arquitetura formal, em que o engenheiro e o arquiteto, além, claro, do proprietário, quebram a cabeça pra criarem um dormitório a mais, levando em conta os acessos, as leis etc., a arquitetura da miséria é extremamente dinâmica, quase uma “obra aberta”, modifica-se rapidamente a cada novo rebento.


Houvesse uma palavra que definisse esse estilo sem estilo, poderia ser a “arquitetura do puxadinho”. Não dá certo escada por dentro, atrapalha o espaço da TV? Sem problemas... escada pra fora. Ah... chove quando sobe? Sem problemas... outro “puxadinho”.Mais original que as obras da realeza, esse conjunto cinza de blocos de cimento sem acabamento e telhas de fibro-cimento, sem detalhes, que sobe e desce montanhas, é horrível no seu todo não por falta de criatividade, falta uns toques, falta cor!


Imagino se em vez de se colocar tapumes nas avenidas pra esconder os “puxadinhos”, como fez o Lacerda no Rio de Janeiro em certa ocasião, o Estado transferisse recursos inúteis gastos com a existência, por exemplo, do Senado, dispensável na maioria das democracias. Ou das estradas, viadutos, açudes que nunca existiram. Ou os bancos resolvessem deixar de ser tão "unhas de fome" e fizessem um esforcinho...


Imaginem todos os milhares de “puxadinhos” do país com paredes rebocadas e pintadas com a cor da vontade de cada um... Teríamos uma estética anárquica, que fugiria da mesmice, que, dado as proporções, seria única no mundo.


Cor é alegria, bem-estar, transforma as pessoas, e isso não é uma gozação, muito menos uma piração, mas alguém vai dizer que é tampar o sol com a peneira, que o problema é muito mais embaixo num país onde falta tudo, como se eu não soubesse.

Obviamente que num Estado de parlamentares e governantes meias-bocas estejamos muito longe de substituir os "puxadinhos" por algo mais digno. Não obstante há leis de incentivo à cultura, museus, estátuas em praças públicas - o que é esse esforço estético se não para o deleite da alma humana? Então, por que não, além de melhorar a segurança destas cidades dentro das cidades, também colorir e dar vida aos "puxadinhos"?

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