ARQUITETURA DAS NOVÍSSIMAS TOMADAS
Eurípedes não era arquiteto, nem engenheiro. E tudo começa num superchurrasco.
Convidou amigos, família, vizinhos. Sol escaldante, cerveja, música alta, mais ou menos igual a todos os churrascos, exceto por um pequeno detalhe - ele estava à beira da falência, não tinha nem grana, nem nada para comemorar. Gastava por conta de uma ideia que mudaria muita coisa se desse certo, principalmente sua vida.
Sua mulher não estava entendendo. Também não sabia o que se passava na cabeça dele, ela que andava numa “pendura” daquelas, economizando em tudo, ouvindo sempre a mesma ladainha. É que a fabriqueta de bugigangas plásticas do Eurípedes ia de mal a pior, devia impostos, aluguel, salários...
Naquela noite, ela bem que tentou, mas dele só ouviu: "Tive uma ideia genial, vamos ficar milionários..".
No dia seguinte, ele foi ao sindicato encontrar-se com um tipo engravatado pouco comum de se ver por lá. Não foi o primeiro encontro, nem seria o último. Conversaram horas a fio, Eurípedes explicou tudo detalhadamente. No final entregou a ele uma pasta cheia de desenhos.
Uns meses depois a fabriqueta não fechou, ao contrário, com a ajuda daquele indivíduo, Eurípedes alugou um galpão bem maior e conseguiu um empréstimo pra financiar umas injetoras plásticas de última geração.
Era uma questão tempo. Não de muito tempo.
Foi no Congresso que começou o resto da vida de Eurípedes, do novo Eurípedes, diga-se, aprovada que foi a alteração de segurança nas tomadas, interruptores e plugues do país. Foi um tempo de muitas idas e vindas, notícias boas e não tão boas, redação e convencimento trabalhosos junto às associações de normas técnicas. E como ninguém é santo neste país, acabou dando certo.
E os dias de “pão que o diabo amassou” terminaram pra ele, que com a bala no cano, dedo no gatilho, antes que qualquer um pudesse... sua fabriqueta explodiu – dezenas de novos funcionários, máquinas trabalhando 24horas por dia, pedidos e mais pedidos chegando sem parar.
Valeu, Sr. Eurípedes! Valeram as horas de sono economizadas para criar algo único no mundo. Valeu o esforço, essa preparação com antecedência - suas tomadas e plugues são absolutamente originais, diferentes de todos os padrões, de todos os países - o que deve ser motivo de orgulho, sem dúvida.
Mas há alguns detalhes incompreensíveis. As normas dizem que as tomadas e plugues devem resistir a dez mil engates e desengates sem deformar. Ora, Sr. Eurípedes, não sei se isso também foi ideia sua, mas essa dezena de milhar é meio exagerada, não? E se não durarem? Tem telefone marcado nas tomadas pra reclamar? Procon e Tribunal de Pequenas Causas aceitariam essa reclamação?
Deixemos isso de lado, que sei que ninguém vai encher seu saco porque teria durado oito anos e meio, mas há um probleminha sério na sua invenção, esse sim. Por tanta criatividade e originalidade, o senhor conseguiu fazer a coisa mais idiota que o mundo já viu, sabia? Conseguiu que a maioria aprendesse o verdadeiro significado da palavra (que inexiste em outros idiomas) "gambiarra". E todo mundo virou eletricista. Estão vendendo serrinhas, lixas, pra cortar as abas dos blocos de extensão, que nada encaixam, chaves de fenda para abrir as ditas, furadeiras Hobby para alargar furos... enfim, cada brasileiro virou um técnico em "gambiarra". Os que não levam jeito só cortam os velhos plugues e enfiam os fios diretamente nas novíssimas tomadas.
Tá bom demais, né, Eurípedes! Comprou um carrão? Seus filhos podem comer Big Macs. Sua mulher está feliz? Os lobbies que o ajudaram estão rindo à toa? Conhece o parlamentar que conseguiu aprovar esse insólito?
O que eu penso... que se o senhor e seus ajudantes sonham com anjos e se julgam merecedores de uma eternidade sem ressaltos, tirem o cavalinho da chuva, que se alguém com asas tiver que carregá-los certamente será uma nuvem de baratas.
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