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19 de dez. de 2013

CHAMAVA MATILDE

--- Sabe, Zé, tô cheia dessa vida, tô pensando em a gente se divorciar.
--- Cê que sabe, Matilde, se é o quer mesmo...

--- Pra você tanto faz, né Zé? Pra você, eu e ninguém é a mesma coisa.
--- Isso não. Já passamos por muitas, nunca pensei assim... Depois, e a viagem que a gente ia fazer, como fica?

--- Viagem? Que viagem?
--- Esqueceu que combinamos ir ao Paraguai?

--- Zé, tô com fome, cê não me entende...
--- Quer um café?

--- Tô dizendo, Zé, cê não me entende mesmo, tô com fome, tô com frio, tô cansada!
--- Cê tá deprê, Matilde, isso passa, uma hora tudo passa.

--- Sei não... e essa viagem nunca vai ser...
--- Cê acha mesmo, Matilde? Cê pensa que sou de desistir?

--- Zé, ouve... a gente fala disso desde que se conheceu.
--- Pra ir lá a gente só tem que comprar umas roupas...

--- É, né, Zé, e desde quando a gente não compra umas roupas?
--- Por isso, Matilde, que a gente ainda não foi, mas o Paraguai tá lá, nós tamos aqui, uma hora a gente vai, e lá é quente, nem casaco precisa.

--- Tô com frio, Zé!
--- Com fome e com frio, e ainda pensando em se divorciar... cê tá mesmo fodida, Matilde, tenta se concentrar numa coisa boa... Lembra quando a gente foi no mar?

--- Ah, Zé, sempre cê vem com essa história do mar... nem lembro mais quanto tempo faz que a gente pisou no mar.
--- Matilde, presta atenção! Já num falei um monte de vezes que a gente não pisa no mar...

--- Falou sim, Zé, umas mil vezes, cê é um chato, e egoísta.
--- Egoísta num sou, e o que é certo é certo, Matilde.

--- Então me leva num restaurante, que eu tô com fome!
--- Olha tua cara no espelho... passa um pente nesse cabelo!

--- Vai me levar? Assim, sem banho, Zé?
--- Sem banho. 

--- Vai me levar mesmo?
--- Quanto cê tem aí, Matilde?

Fazia frio e caía uma chuva fina quando meu ônibus chegou. Da janela vi o casal de mendigos se levantando, pondo coisas numa sacola até desaparecer da minha vista quando o ônibus fez a primeira curva.

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