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8 de fev. de 2014

LADRÃO DE BICICLETA


Anos sem trabalho, empenhou os lençóis de linho pra pagar a penhora da bicicleta, que o trabalho exigia. Felicidade muita foi só de um dia, que logo lhe roubaram a magrela, e o trabalho, e a alegria.

A polícia não deu conta, ocupada que estava com comício de político. E a cartomante disse: "vai atrás, acha quem roubou agora ou não acha nunca mais...".

Por um boné reconheceu o ladrão. Certeza absoluta, mas prova não tinha. Seguiu, quis bater, levou a polícia, até ouvir que aquele nunca roubara, epilético que era passava mais tempo no hospital. Boné todo mundo usava, e a certeza que nasce do desespero nasce condenada. Podia não ser, mas o emprego precisava.

Fim de jogo de futebol, milhares de bicicletas dando sopa. Por que não pegar uma qualquer? Por que, por que? Batia fundo, alma penada, coração disparado, coisa que ladrão de verdade não se pergunta, nem a adrenalina extravasa.

Não era seu caso, mas o emprego não podia perder. Arriscou - era o tudo ou nada. Foi o nada. Pior, foi o desencanto diante do filho, que chorou sentido, tristeza que o salvou de ser linchado.

Calado diante do pequeno, humilhado, arrasado, perdeu os lençóis no Prego, a bicicleta, a dignidade, o emprego, a palavra. Perdeu tudo, menos a vida miserável.

No cine, acabou a luz no meio do filme, quando voltou, queimou o celuloide. A luz acendeu enquanto emendavam a película. Eu fiquei de olhos fechados, isso foi o que guardei num escaninho do cerebelo há mais de trinta anos.

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