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1 de ago. de 2014

Arquitetura da Miséria


Costa Amalfitana, estradinha pra Vítrio, encosta apinhada de pequenas casas e pés de limão, uma das paragens mais lindas do mundo.



Campo Limpo em SP, estrada de M´Boy Mirim, amontoado de pequenas casas cinzas, cor da miséria, uma das paragens mais horríveis do mundo.



Com a sensibilidade que vai além da visão embotada pelo preconceito, e sem o sincretismo simplório que mistura tudo, a arquitetura da miséria tem lá suas semelhanças com a Costa Amalfitana. Como aquela, também não segue as normas fixadas pelos doutos, que criam os parâmetros do urbanismo – é anárquica em todos os sentidos, porque além de não seguir as regras formais da construção, nasce de uns riscos no chão, e sobe rápido porque é simples, tudo perfeitamente de acordo com um único parâmetro — a necessidade e a falta de recursos.



Ao contrário da arquitetura formal, onde o engenheiro e o arquiteto, além, claro, do proprietário, que quebram a cabeça pra criar um dormitório a mais, levando em conta os acessos, as leis etc., a arquitetura da miséria é extremamente dinâmica, modificada a cada rebento que nasce, quase uma “obra aberta”. Houvesse uma palavra que definisse esse estilo sem estilo, poderia ser a “arquitetura do puxadinho”.Não dá certo escada por dentro, come o espaço da TV? Sem problemas… escada pra fora. Chove quando sobe? Sem problemas… mais um “puxadinho”.



Mais original que as obras da realeza, esse conjunto cinza de blocos de cimento e telhas de fibro-cimento, sem acabamento, sem detalhes, que sobe e desce montanhas, é horrível no seu todo não por falta de criatividade.



Imagino se em vez de se colocar tapumes nas avenidas pra esconder os “puxadinhos”, como fez o governador Carlos Lacerda no Rio de Janeiro, o Estado transferisse recursos inúteis, poderia começar extinguindo por exemplo o Senado. Ou os bancos deixassem de ser tão ‘bancos’ e destinassem uma parte ínfima dos seus abusivos lucros.



E todos os milhares de “puxadinhos” do país poderiam ter paredes rebocadas e pintadas com a cor da vontade de cada um… Teríamos uma estética anárquica, que fugiria da mesmice, única no mundo dado as proporções.



Cor é alegria, bem-estar, transforma as pessoas, e isso não é uma gozação, muito menos uma piração, mas alguém vai dizer que é tampar o sol com a peneira, que o problema é muito mais em baixo num país que falta tudo, como se eu não soubesse.



Num Estado de parlamentares e governantes meia-bocas estamos muito longe de substituir os “puxadinhos” por algo mais digno, não obstante há leis de incentivo à cultura, museus, estátuas em praças públicas. O que é esse esforço estético se não para o deleite da alma humana? Por que então não colorir e dar vida aos “puxadinhos”?

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