Tudo o
que ele queria era construir uma casinha, sair daquele barraco de tábuas e
latas, ter um lugar sólido numa rua com nome e CEP. Era tudo o que queria, mas
não podia. Como ladrão ele não era, então sonhava -- punha o filho nas costas,
descia o morro e caminhava pelas ruas arborizadas e bem cuidadas do bairro,
perguntando ao menino qual daquelas ele preferia, mas defeitos tinham todas,
nenhuma servia nem a um, nem a outro.
E
sempre que passavam por um certo terreno vazio, ali se detinham a construir a
casa ideal. Muitas vezes nos fins de semana, passeando com meu cão, vi este
senhor gesticulando com as mãos, construindo seu sonho... explicando em voz
alta ao garoto como ia ser. Arquiteto nato, ele logo me lembrou o personagem
“pedinte” do Dodeskaden (filme de Akira Kurosawa), que vivia com o filho num
carro abandonado e sonhava com uma construção ocidental, sólida e cheia de
requintes, diferente das convencionais casas japonesas.
Num fim
de tarde meio chuvoso, me aproximei deles. Curioso, mas com certo receio,
cumprimentei-os e me apresentei como arquiteto, ao que, gentilmente, o Senhor
disse já me conhecer e ao meu cão também, e que nessa fase da obra não
precisava de ajuda, o que lhe faltava era só um pouco de dinheiro.
Uns dois
anos depois, caminhando só, meu cão tinha morrido, novamente cruzei com eles em
frente ao mesmo terreno vazio. O menino crescera, devia estar com uns sete ou
oito anos, e agora já fazia perguntas ao pai.
--- Por
que não pode ser vermelha? Antes que encontrasse a resposta, o Senhor me
cumprimentou, e aproveitei pra saber como ia a casa.
--- Só
estamos decidindo as cores (apontando pro menino).
---
Pai, por que não pode ser vermelha? - insistiu o garoto.
--- O
que o Sr. acha? - ele me perguntou.
---Vermelha?
- eu perguntei.
---
Sim, por fora, ele quer inteira vermelha...
O que
eu ia dizer? Que era bom, que era ruim, que era estranho? Quem era eu pra
interferir naqueles destinos? E em vez de responder, fiz outra pergunta: Como
seriam as plantas? Dessa vez foi o menino que prontamente se adiantou.
---
Todas brancas e pratas, e as flores azuis, igual à grama.
---
Oh... então vermelha vai ficar linda. - disse.
Olhos
franzidos, pensativo, o Senhor olhava as bactérias do ar como se não estivesse
muito certo disso. Nesse momento me despedi deles e segui minha caminhada.
Nunca
mais os vi. Até que anos depois, seis horas da manhã, passeando com um outro
cão, diante daquele terreno vago um jovem moreninho lá com seus dezesseis anos
rabiscava algo numa prancheta.
--- Bom
dia, jovem! - eu disse.
---
Cadê seu pai? Ele me olhou sem me reconhecer.
--- Meu
pai, o Sr. conhecia ele?
---
Sim, sempre vocês vinham aqui...
--- Ah,
sim, agora acho que me lembro do Sr., meu pai morreu faz oito anos, levou um
tiro da polícia quando voltava do trabalho.
---
Sinto muito.- disse. --- Sabe que pensei nele esses anos todos? E por que levou
um tiro? - perguntei.
--- Foi
por engano, ele trabalhava à noite numa fábrica, voltava pra casa, estava
escuro, ninguém explicou pra gente o que aconteceu.
--- E o
que faz aqui, agora? - perguntei mais uma vez.
---
Estou mudando algumas coisas na nossa casa... Me desculpe, Sr., mas tenho que
terminar isso, tá quase na hora de entrar no meu trabalho.
---
Claro, eu é que me desculpo, só queria saber se ainda vai ser vermelha.
Ele
sorriu. --- Ah... não, papai nunca gostou dessa ideia...
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