“Não adianta, amiga,
você acha que eles vão tomar alguma providência? Esses delegados são todos machistas,
não vão dar a mínima pra você...”
Na
delegacia:
--
É isso mesmo Sr. delegado, o menino tem uns dez anos e fica com o carro do pai
andando na minha rua. Isso além de proibido é um crime, não acha?
--
Sem dúvida, minha Senhora, me dê o endereço, que vou mandar averiguar.
--
A rua onde moro?
--
Sim, não é lá que o garoto dirige?
--
É, como disse, mas o endereço não posso dizer.
--
A Sra, veio até a delegacia fazer uma denúncia, mas como podemos averiguar se
não sabemos onde fica?
--
O pai dele dizem que é do tráfico, se disser, eu sei como é isso, vai acabar sabendo
e vou ter problemas.
--
Não se preocupe, só eu vou ficar sabendo.
--
Ah é... muito bom então, é o Senhor mesmo que vai lá sozinho averiguar?
--
Claro que não, minha Senhora, sou delegado, vou mandar uma viatura.
--
E quem vai estar nessa viatura?
--
Provavemente dois policiais do turno.
--
O Senhor confia 100% neles?
--
Sim, claro, dentro do possível.
--
Tá vendo só, “dentro do possível”. Mas tenho uma ideia... estou vendo pela
aliança que é casado, desculpe a curiosidade, mas o Senhor tem uma amante?
--
Amante? Pra que quer saber isso?
--
Por nada. Tem?
--
Não.
--
Não mesmo? Nunca bebeu com os amigos e saiu com uma garota assim-assim...?
--
Olha minha Senhora, não lhe conheço, não sei o que isso tem a ver com sua
denúncia, tem gente aí na fila com casos gravíssimos, que tenho de atender...
--
Mas também não lhe conheço, e não vou
contar a ninguém, diga...
--
Se disser me dá o endereço?
--
Sim, claro.
--
Ok, saí uma vez, agora escreva aqui o seu nome, RG e o endereço.
--
Pode me dar outro papel igual a esse?
--
Pronto, aqui está o papel. Agora escreva.
--
Obrigada, Sr. delegado, enquanto preencho neste, o Senhor só escreve seu nome e
seu endereço neste outro.
--
Quer isso pra quê?
--
Por nada, meu jeito, meu pai era assim também, puxei dele. Se tenho que confiar
no Senhor, que nem conheço, tem de confiar em mim também.
--
Pronto, aqui está o que me pediu, Senhora.
--
E aqui o meu, Sr. delegado.
--
É onde mora, certo?
--
É a minha rua, sim, mas o número é da casa do menino, acho que é mais
importante, não?
--
Claro, deixa eu ver onde é isso... Ah sim, aqui perto. A que horas o tal menino
costuma pegar o carro.
--
Varia, às vezes de manhã; às vezes depois do almoço. À noite nunca vi.
--
Está bem, amanhã mesmo mando uma viatura lá.
--
Muito obrigado, Sr. delegado.
No
dia seguinte não vai nenhuma viatura, nem no outro dia. No terceiro dia o
Delegado atende o telefone:
--
Pois não, quem..?
--
Sou aquela Senhora que esteve aí uns dias atrás fazendo a denúncia do menino
que dirige na minha rua... Está lembrado?
--
Claro, como ia esquecer...
--
Que bom, não esqueceu de mim, mas esqueceu de mandar a viatura, né. Fiquei aqui
de prontidão, não apareceu ninguém, bem que minha amiga disse.
--
Disse o quê?
--
Que isso era coisa pouca, que nem iam tomar conhecimento.
--
Diga a ela que está enganada, que só ainda não foi possível porque temos muito
trabalho e pouca gente, mas vou mandar sim, fique tranquila.
--
Ele vai acabar atropelando alguém...
--
Imagino que sim, já está na lista das prioridades, Senhora.
--
Tenho seu endereço, viu..!
--
Que quer dizer com isso, está me ameaçando do quê?
--
Ah não, como ia ameaçar um delegado, não lembra da minha idade, acha que ando
armada?
--
Desculpe, Senhora, acho que a interpretei mal.
--
Foi sim, só gravei nossa conversa, coisa que meu falecido pai também fazia... e
só vou sossegar quando esse menino parar de circular com o carro do pai, tem
que prender o irresponsável, um pai não pode fazer isso com uma criança.
-- Alô, alô... puta que o pariu!
-- Alô, alô... puta que o pariu!
-- Um dia depois:
“Falei que ia dar
certo, amiga, a gente tem que ter fé. O doutor foi muito atencioso comigo, e você
nem imagina quantas viaturas tinha aqui ontem. Foi uma fuzarca e acabaram
prendendo o sujeito do 113, logo a imobiliária vai pôr a casa novamente pra
alugar e vamos ser vizinhas. O que aconteceu com o
menino? Que menino?...”
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