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26 de jul. de 2017

SEGREDO

Não estou escrevendo pra ninguém, me deu vontade de guardar como eu sou, mas que vai ser como eu era  quando crescer, e só vou ler isso quando tiver vinte ou trinta anos. Mamãe é a Zelda, meu pai se chama João, Fred é meu cachorro, e nós moramos numa casinha de vila bem pequena. Tenho tanta coisa que queria que fosse diferente, que é difícil até começar. Ver por dentro a igreja da praça é uma das coisas que mais quero, mas está sempre fechada, e não me levam lá de jeito nenhum, mesmo meu pai sendo amigo do padre, que eu não gosto nem um pouco,  porque chuta os cachorros que dormem na porta da sua igreja. Toda noite esse  padre tá no bar do Seu Agenor jogando bilhar com meu pai, e mamãe tem de buscá-lo ou ele só vem quando fecha o bar, e às vezes nem vem, mas ela não chega até a porta, de longe faz um sinal com o dedo e logo ele atende. Não sei direito o que é esse jogo de bilhar, que minha mãe detesta, e que faz meu pai falar tão atrapalhado, que às vezes não compreendo nada, mas deve ser bom, porque no caminho ele ri o tempo todo. Em casa ele vai direto pro banheiro e demora um tempão, mas banho mesmo quase nunca toma, e não sei porque eu tenho que tomar todo dia e ele não, não acho isso justo, mas é assim. Nem meu pai, nem minha mãe me explicam porque o padre precisa de uma casa tão grande morando sozinho, isso também é outra coisa que não acho certo, mas é assim, já tenho nove anos e ninguém me explica nada. Por sorte tenho um cão que me entende, o Fred, ele é marrom e branco, e é muito bonzinho. Toda noite antes de dormir eu brinco com ele, que nem reclama quando estou cansado e esqueço de pôr água. É de todos o meu melhor amigo, só que ele não é bem um cão de verdade, eu inventei ele no pensamento, mas é quase de verdade, e ninguém pode chutá-lo ou fazer alguma maldade. Quando eu crescer ele já vai estar bem velhinho, mas nunca vai morrer. Acho que já passei da idade de fazer a primeira comunhão, mas se um dia fizer não vou confessar isso pro padre, que sei que vai pedir pra me livrar do Fred, tanto que detesta cachorro. Não sei pra que existe padre, mas já não gosto de nenhum. Um dia perguntei à minha professora se ela tinha um cão, disse que tinha um que morreu e não queria mais não, que fazia muita sujeira e bagunça, mas se ela conhecesse o Fred não ia falar assim. Se pudesse, queria ter um cão de verdade, desses que a gente passa a mão, mas meu pai é igual ao padre, também detesta eles, e se eu tivesse não ia poder brincar com o Fred, mas não faz mal, tá bom assim, em casa não tem nem quintal, quando eu crescer vai ser diferente. Apesar do meu pai ser muito esquisito, gosto dele, e da minha mãe tenho muita pena de tanto que trabalha. Nunca apanhei, o que é assim é assim, estou no terceiro ano, sou bom aluno, este mês ganhei o concurso de redação da escola, mas não falei nada do Fred, que é segredo. Amanhã continuo. 

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