Passaram-se treze anos...
Me chamo Ivan, tenho
vinte e dois anos incompletos, e faço parte de uma equipe que produz
audio-visual para o curso de antropologia da PUC.
Meio por acaso soube
da existência de uma indígena, no arquipélago da Terra do Fogo, última
descendente dos Selk´nam, que eram bem numerosos no Sec XVIII. Viajei de carona
mais de três mil quilômetros até Ushuaia, com um fotógrafo da equipe, à procura
de Ângela Loij, que já passava dos oitenta, e logo sua raça seria extinta tal
como tantos animais que sabemos não existir mais.
Fomos por conta
própria, como pudemos, pensando em fazer uma matéria, algo inusitado, e ganhar
com isso algum dinheiro também. Foi um misto de seriedade com aventura. Passamos
muito frio, e na volta quando chegamos em Buenos Ayres, sem um centavo, tivemos
que vender a câmera para comprar uma passagem de ônibus para casa.
Deu certo encontrar a
índia, não em Ushuaia, mas em Rio Grande. Deu certo escrever sobre ela, seus
relatos, muitas fotos, mas não deu certo vender essa matéria como imaginamos.
Pouco tempo depois ela morre, e uma síntese do que escrevi foi publicada no
Jornal da Tarde. Essa é a história que muitos conhecem, e que não tem nada
demais, igualzinha a de tantos que se aventuram por isso ou aquilo.
Mas houve outra
história.
Depois que
atravessamos o Estreito de Magalhães, já quase noite, dormimos num albergue, e
apesar de exausto não consegui pegar no sono até o amanhecer. Levantei com a
roupa que dormi, inclusive com a bota, abri a porta de madeira tosca – na minha
frente, balançando o rabo, o Fred.
Quem é o Fred? Alguém
sabia dele além de mim? E se soubesse, logo diria: Para com isso, cara! É um cão
parecido. Mas eu conhecia todas suas manchas, ele tinha um incisivo inferior lascado
em forma de trapézio e mancava de uma pata, depois... cada cão tem um olhar. Não
sou religioso, nem místico, e nunca acreditei em coisas do outro mundo, mas quando
meu amigo acordou e viu o Fred no pé da cama, me perguntou, de onde veio este?
Me deu vontade de chorar, o que ia dizer?
Passamos duas semanas
viajando de carona nos caminhões, o Fred junto, nenhum caminhoneiro se
importou, perguntavam se tinha vindo com ele desde casa, que aquele não era um
cão foguino. Dividíamos a comida, ele sempre quietinho, não era do tipo que
lambia ou pulava nas pessoas.
Naquela semana um
desastre desabou sobre o Chile, que tinha acabado de sofrer um golpe militar, e
o Gal. Augusto Pinochet, que tomou o lugar de Allende, fechou as fronteiras, e
ficou impossível sair da Terra do Fogo pelo Estreito de Magalhães em Puert
Aymont.
Por cortesia conseguimos
embarcar num aviãozinho do Correio Aéreo Argentino, de Rio Grande até Rio
Gallegos, na província de Santa Cruz. O Fred não pôde ir.
Ventava muito no
aeroporto, ele ali sentado na pista me vendo subir na aeronave, imóvel o tempo
que pude vê-lo pela janelinha. Baixou uma tristeza, algo que não se descreve, e
fiquei pensando: que nome se dá a este tipo de despedida?
Meu amigo tirou
muitas fotos de Ângela, mas nenhuma do Fred, nem eu pedi, mas com ele sempre
ali do lado, quando revelamos os filmes fiquei na espectativa que ele aparecesse
em algum cantinho, mas em nenhuma ele estava.
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