Páginas

Translate

27 de jul. de 2017

SEGREDO (continuação)

Passaram-se treze anos...

Me chamo Ivan, tenho vinte e dois anos incompletos, e faço parte de uma equipe que produz audio-visual para o curso de antropologia da PUC.

Meio por acaso soube da existência de uma indígena, no arquipélago da Terra do Fogo, última descendente dos Selk´nam, que eram bem numerosos no Sec XVIII. Viajei de carona mais de três mil quilômetros até Ushuaia, com um fotógrafo da equipe, à procura de Ângela Loij, que já passava dos oitenta, e logo sua raça seria extinta tal como tantos animais que sabemos não existir mais.

Fomos por conta própria, como pudemos, pensando em fazer uma matéria, algo inusitado, e ganhar com isso algum dinheiro também. Foi um misto de seriedade com aventura. Passamos muito frio, e na volta quando chegamos em Buenos Ayres, sem um centavo, tivemos que vender a câmera para comprar uma passagem de ônibus para casa.

Deu certo encontrar a índia, não em Ushuaia, mas em Rio Grande. Deu certo escrever sobre ela, seus relatos, muitas fotos, mas não deu certo vender essa matéria como imaginamos. Pouco tempo depois ela morre, e uma síntese do que escrevi foi publicada no Jornal da Tarde. Essa é a história que muitos conhecem, e que não tem nada demais, igualzinha a de tantos que se aventuram por isso ou aquilo.

Mas houve outra história.

Depois que atravessamos o Estreito de Magalhães, já quase noite, dormimos num albergue, e apesar de exausto não consegui pegar no sono até o amanhecer. Levantei com a roupa que dormi, inclusive com a bota, abri a porta de madeira tosca – na minha frente, balançando o rabo, o Fred.

Quem é o Fred? Alguém sabia dele além de mim? E se soubesse, logo diria: Para com isso, cara! É um cão parecido. Mas eu conhecia todas suas manchas, ele tinha um incisivo inferior lascado em forma de trapézio e mancava de uma pata, depois... cada cão tem um olhar. Não sou religioso, nem místico, e nunca acreditei em coisas do outro mundo, mas quando meu amigo acordou e viu o Fred no pé da cama, me perguntou, de onde veio este? Me deu vontade de chorar, o que ia dizer?

Passamos duas semanas viajando de carona nos caminhões, o Fred junto, nenhum caminhoneiro se importou, perguntavam se tinha vindo com ele desde casa, que aquele não era um cão foguino. Dividíamos a comida, ele sempre quietinho, não era do tipo que lambia ou pulava nas pessoas.

Naquela semana um desastre desabou sobre o Chile, que tinha acabado de sofrer um golpe militar, e o Gal. Augusto Pinochet, que tomou o lugar de Allende, fechou as fronteiras, e ficou impossível sair da Terra do Fogo pelo Estreito de Magalhães em Puert Aymont.

Por cortesia conseguimos embarcar num aviãozinho do Correio Aéreo Argentino, de Rio Grande até Rio Gallegos, na província de Santa Cruz. O Fred não pôde ir.

Ventava muito no aeroporto, ele ali sentado na pista me vendo subir na aeronave, imóvel o tempo que pude vê-lo pela janelinha. Baixou uma tristeza, algo que não se descreve, e fiquei pensando: que nome se dá a este tipo de despedida?

Meu amigo tirou muitas fotos de Ângela, mas nenhuma do Fred, nem eu pedi, mas com ele sempre ali do lado, quando revelamos os filmes fiquei na espectativa que ele aparecesse em algum cantinho, mas em nenhuma ele estava.

Nenhum comentário:

Postar um comentário