A mulher apareceu no
portão de olho roxo, cara toda inchada.
Se hoje você não sabe,
amanhã o tempo lhe conta, ninguém engana o tempo.
Me deu vontade de
perguntar se queria ou precisava de alguma coisa, mas achei por bem ficar
calado, que essas coisas nunca terminam bem quando a gente se mete.
Nem nos conhecemos tão
bem assim, que dirá sobre vizinhos, que nem sabemos o que pensam e fazem.
Vizinhos são sempre os outros. Aqueles não tinham filhos, nem animais, e brigas
nunca se viu ou ouviu. Ela era quieta, sempre distante, e mal saía de casa. O
marido, mecânico, vivia sujo de graxa e não era de conversar.
Casinha simples igual
a quase todas da rua, exceto pelo estranho hábito de ter uma garrafa pet cheia
de água sobre o medidor de eletricidade – que às vezes estava lá, às vezes não.
Mas que logo virou endêmica - a maioria passou a fazer o mesmo. Não eram flores,
nem mesmo algo gracioso, não tinha como não perguntar, e fui direto à quitandinha
do Seu Mateus, que sabia da vida de todo mundo.
Seu Mateus... cadê o
Seu Mateus? Porta fechada, eu ali olhando... Prontamente o filho do vizinho me
respondeu o que não perguntei. "Faz duas semanas que ele fechou a quitanda
e mudou pro sertão".
Ficamos
momentaneamente sem a quitanda, a farmácia, o empório, a casa de ração, e o
boteco, que lá tinha um pouco de tudo. Com o tempo essas coisas foram voltando,
menos o Sr. Mateus que sumiu com a família e ali nunca mais pôs o pé.
As pets continuaram,
diziam que a energia do sol acumulada na água interferia no relógio medidor de
eletricidade, fazendo com que consumissem menos watts. Era o que diziam,
afirmação tão verdadeira quanto as estapafúrdias invencionices das mãe
puritanas, que diziam às filhas que se encostassem os seios quando dançassem
elas iam se ver no teste do lápis.
Lembrei desse tempo
quando li no jornal sobre a invenção ecológica de um mecânico, que furou as
telhas e encaixou pets com água, cuja reflexão deu uma boa iluminação na sua
oficina sem janelas, e foi copiado em várias partes do mundo.
Na mesma semana, numa
festinha de crianças, reencontrei um antigo morador daquele lugar, o professor
de matemática da escolinha de lata, e lhe contei sobre a tal invenção. E,
claro, lembramos daquelas pets empesteando as fachadas, quando ele riu e me
perguntou se eu sabia o porquê daquilo.
--- Sim, acreditavam
que economizavam energia... – disse.
Ele caiu na
gargalhada. --- Lembra do Seu Silvio e da Dna. Ana?
--- Quem?
--- O mecânico que
surrou a mulher..E o quitandeiro Mateus, lembra desse?
--- Ah sim, dele
lembro bem, foi pro sertão, não é?
--- O Seu Silvio jurou
ele de morte, pegava a Dna Ana quase todo dia.
--- Nem imaginava... –
disse. Mas o que isso tem a ver com aquelas pets?
--- A Dna. Ana punha a pet no medidor pra avisar
que o marido já tinha saído, e o Seu Mateus entrava na casa pelos fundos, que
ninguém o via. Um dia o Seu Silvio voltou pra pegar alguma coisa.
--- E flagrou os dois,
claro!
--- Ele era forte, mas o Seu Mateus conseguiu
fugir pelo muro, e no dia seguinte fechou a quitanda. A mulher levou uma surra,
e pra humilhá-la o mecânico obrigou-a carregar aquela cruz, seguindo o
procedimento de pôr a pet com água na caixa de luz. Quando começaram a lhe perguntar
o que era aquilo, inventou essa coisa de economizar energia, que os incautos
acreditaram e talvez acreditem até hoje.
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