Outros
dias, outras pessoas, outros sorrisos...
Acabei
de pegar o Renatinho na escola, tá com dor de dente.
--
Abre a boca, filho, mostra onde dói. -- Não.
Sou a
mãe dele, tô exausta, meu chefe é um chato de galocha, pensa que sou sua escrava , e acho que sou mesmo.
--
Abre a boca, filho, mostra onde dói!
Ele chora, berra de boca fechada, pode? Pode. Minha vontade é de chamá-lo de filho da puta, mas não sou de dizer essas coisas e sou sua a mãe.
Ele chora, berra de boca fechada, pode? Pode. Minha vontade é de chamá-lo de filho da puta, mas não sou de dizer essas coisas e sou sua a mãe.
Ligo
pro Renato, o pai dele, meu marido há nem sei quanto tempo. Ocupado, claro,
sempre ocupado, não tem tempo pra nada. A secretária pede pra ligar mais tarde.
Digo que é urgente, ela volta e diz que ele me retorna em seguida.
O
carro anda e para, mas ele não, nem o barulho da rua disfarça, é uma berração em
uma nota só.
Meu
deus, vou pra casa ou levo ele ao dentista sem consultar o Renato? Liga,
Renato, liga, não tô mais aguentando isso. Mas ele não liga. Não
sou mesmo de falar palavrão, mas quero que o mundo se foda, não tenho dez reais
na carteira e é aqui mesmo que vou entrar.
Lugar
meio sujo, nunca entrei num Posto de Saúde da Prefeitura, nunca precisei. A
Maria, minha diarista, diz que tem dentista, tá certo que ela tá na fila há
meses para arrumar uma ponte, mas o Renatinho não precisa de dentadura, só de
uma dura ou um remédio qualquer.
Ai
meu pai do céu, por que mereço isso? Ele puxou tudo do pai, não só o nome, mordeu
o dedo do doutor igual a um cão raivoso, e ainda tive de ouvir um sermão
daqueles.
Depois que enfiei
ele no carro, abriu a boca gritando mais ainda. Cadê o Renato, que nunca
está onde e quando preciso dele. Manhê, socorro, não dei nenhum trabalho quando
era criança, sua imbecil inútil, por que morreu tão cedo? Que adianta, agora nada adianta,
tô morta, a cada minuto parece que minha casa se afasta mais com esse trânsito.
Quando chegar vou dar um doril pra ele, vamos ver se passa.
--
Filho, diz pra mamãe quando começou essa dor, fala comigo por favor. Buá....e
buá....
--
Alô? Renato? Arre. O que foi? Seu filho, que não para de chorar. Tá, nosso filho,
desculpe. Onde estou? Na rua, no trânsito, com ele berrando de dor de dente,
não tá escutando? Como..? Eu sei que ele tem os dentes perfeitos, iguais aos
seus, mas tá berrando, com a mão na boca, até parei no Posto de Saúde, mas quem
disse que ele abre a boca. -- Claro que o doutor tentou, mas sabe o que ele
fez? Quase arrancou o dedo do sujeito, que ainda me deu uma dura daquelas, que
não sei criar meu filho, quer dizer nosso filho. – Está rindo? Pera aí, me
escuta, tô chegando em casa, pensei em dar um doril pra ele, que acha?
Não? Então o quê?
Merda, acabou a bateria do celular.
Merda, acabou a bateria do celular.
--
Filho, para de chorar, por favor, vai passar logo, mamãe vai te dar um remédio
assim que a gente entrar em casa.
Mas
assim que abrimos a porta ele parou de chorar. – Ai, num acredito, tava ficando
louca. Passou, filhinho? Ele balança a cabeça, que sim. – Diz agora pra mamãe onde
doía? Ele levanta a gengiva e mostra um corte. -- Que foi isso? -- Foi o Alfredo,
sabe? -- Não, não sei. -- Foi ele, o Alfredo, ele me acertou um soco bem aqui. --
Por que, filho, que você fez? -- Ele me
xingou e eu dei uma mordida nele, quando soltei ele me deu um murro. – Mas você
mordeu ele...? – Mordi.
– Não acredito,
virou índio, é? Quando seu pai chegar nós vamos ter uma conversinha, agora vai
fazer suas coisas, que já são sete e meia, não tenho tempo pra nada, tô morta e
tenho que fazer o jantar pro seu pai, e eu nem posso pensar em comida.
-- E toma isso, filho, bochecha três vezes. -- Se arde? Arde, arde muito, acho que você
vai morrer...
Só ouvi ele no banheiro bochechando umas dez vezes. Eu sei que mereço. Sou uma idiota incompetente, quase derrubei a frigideira com óleo fervendo só de sentir o Renato entrando e perguntando cadê o filhinho dodói.
Só ouvi ele no banheiro bochechando umas dez vezes. Eu sei que mereço. Sou uma idiota incompetente, quase derrubei a frigideira com óleo fervendo só de sentir o Renato entrando e perguntando cadê o filhinho dodói.
– Tá no
quarto, era um corte na gengiva, ele mordeu um tal de Alfredo e levou um murro
na boca.
– Eu sabia.
–
Sabia o quê?
– Que não
era dente cariado, nunca tive uma cárie, igual meu pai e meu avô. E o jantar, está
pronto?
-- Como
pronto, quantas mulheres você tem, não acabei de chegar?
– É
que, acho que esqueceu né, hoje é quinta, tenho o joguinho de futebol lá no clube,
mas tudo bem, vou ver o Renatinho e me trocar rápido. No caminho me viro e como
um sanduba.
--
Filhooooo, filhoooo...
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