Perplexa, atônita, me calei. Essas coisas não são de dizer. Nem
de pensar. Mas há quem se atreve buscar a palavra que machuca, e se sente bem
fazendo isso, doente que é.
Ele falou, riu e se mandou.
Duas da manhã, o bar vazio me esperando para
fechar. Errei três vezes a senha do Cartão. - Amanhã passo aqui e pago, me desculpem.
“Há 30 anos Nixon previu que Trump seria o
presidente americano”. O que eu tenho com isso, só quero minha cama. Ia chamar um Uber, mas meu cartão foi bloqueado. Tudo bem, antigamente não tinha nada disso,
posso tomar um táxi normal, acho que meu dinheiro dá.
Onde tem táxi? Sumiram. E como venta aqui... Não
sei como não me acostumo, já desconfiava que era um canalha, não é só isso que
me aparece? Tenho imã pra cretino, mas é a última vez que me pegam. E como faz
frio nessa cidade, que ideia vir com esse vestidinho de linho. Ia imaginar que ficaria
a pé? Dessa vez não vou ficar gripada, dessa vez não, acabei de sair de uma,
ele me paga! Não, ele nunca paga nada, e não vou vê-lo mais, fim é fim. Nem toda
raiva do mundo vai me fazer escrever uma palavra pra ele, silêncio não é perdão,
ao contrário.
Ah, um táxi. - Boa noite, senhor, tudo bem? Desculpe,
é só uma corridinha à toa. Tá fresquinha a noite, né? Se estou bem? Sim, estou
ótima, não parece? E o senhor? Que bom, fico feliz.
- Nossa, deu tudo isso... Pensei que fosse menos,
aumentou né, faz tempo que não tomo táxi, me desculpa, vou buscar, volto num instante. - Pronto, pode ficar com o troco. Ah não, minha
bolsa! obrigada, não sei onde está minha cabeça! O senhor parece tão correto, coisa
rara hoje em dia. Nem queria dizer, mas está tão abatido, não quer um
cafezinho, faço num minuto?
- Não toma café? E chá? Tudo bem, entendo, depois cafeína
em excesso não é bom mesmo, mais uma vez agradeço, e bom trabalho!
Deve ter pensado que era uma cantada ou que sou
maluca, tenho que voltar pro prezinho, só não queria esperar o dia raiar rolando
na cama e pensando no que o imbecil me disse.
Minha tia Joana dizia que nessas horas uma boa
arrumação ajuda. Quem sabe... uma limpa no armário, isso, assim me ocupo e não
penso em nada.
Essa blusinha super-decotada, que não uso há anos,
lixo. Nossa, ainda está aqui esse
vestido de madrinha do casamento da minha irmã, lixo. Apostilas do Objetivo,
lixo. “Acima do Bem e do Mal”, até que gostei deste, mas já li, lixo. Por que ainda
não me desfiz dessa calça vermelha que nem entra em mim? Lixo. “Razão de
Revolução”, mãe do céu, quanto tempo... ganhei daquele francês comunista que namorei,
até que ele era legal, mas o livro não entendi nadinha, lixo. “Como Fazer
Amigos e Influenciar Pessoas”, esse foi presente da maninha quando me divorciei,
devia queimá-lo, vai que alguém acha e resolve ler, lixo.
Toca o celular. É o cretino. Não vou atender, e pensando
bem... dói o coração, adoro esse vestidinho de linho, mas se voltar a usar sempre
vou lembrar do que ele disse, então vai pro lixo também pra não me contaminar nem
a ninguém.
Valeu o conselho da minha tia. O tempo voou, a maioria
das coisas eram inúteis. O armário ficou meio vazio e eu também, agora, enquanto ferve uma água para o café vou tomar um
banho rápido, que está quase na hora de ir trabalhar. Trabalhar é bom, eu gosto,
mas quando me convidarem pra beber uma
cerveja, eu também gosto de cerveja, vou pensar dez vezes antes de aceitar. Tendo
caráter não precisa ser bonito, malhado, nem rico, só não pode ser um ignorante
total, e se for mudo ia gostar muito, não tenho preconceito.
Concordo com as características: bom caráter e mudo...rsrs Este texto me parece embrião de um conto,que tal?
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